Cumbuca Bares e Butecos de Campinas

Entrevista Maguila Moreira

Maguila Moreira é antigo conhecido do site (hoje é editor do Cumbuca). Durante duas horas ele bebeu, fumou e conversou com nossa equipe que só conseguiu a entrevista após tirar o escorpião do bolso, sem antes revelar ao símio que seria convidado a colocar em ordem o Cumbuca.


Entrevista realizada em 2004 por Bruno Ribeiro, Lucas Vega e Roberto Goulart Junior

Bruno – Maguila, vou começar perguntando. Quem é você?

Maguila Moreira – Como assim, quem sou eu? Eu sou eu e o diabo são os outros, já dizia aquele francês… Como era o nome dele mesmo?

Bruno – Jean-Paul Sartre.

Maguila – Este mesmo. Mas, voltando a tua pergunta: odeio responder a esse tipo de questão, porque não interessa a ninguém. Você pode ser mais objetivo?

Lucas – Está bem. Gostaria que você se apresentasse aos leitores do Cumbuca, explicando o motivo pelo qual nós o convidamos a ser nosso editor e a responder cartas de leitores.

Maguila – Melhorou, mas ainda é uma pergunta vaga. Só vocês sabem o real motivo pelo qual me chamaram. Eu trabalhei na imprensa durante muito tempo, não queria mais escrever. Até que vocês me descobriram, não sei como. Eu tinha abandonado o jornalismo porque os editores não me tratavam como um ser humano. Agora chegou a minha vez.

Junior – Mas você é um chimpanzé, Maguila…

Maguila – Animal também é gente, já dizia aquele vereador ou é deputado … Aquele de óculos… Como é mesmo o nome dele?

Lucas – Feliciano?

Maguila– Justamente. Pois bem, o fato de eu ser macaco não dá o direito a ninguém de passar a vida inteira me dando bananas. Esse tempo de reclusão foi importante para que eu me dedicasse apenas à literatura.

Lucas – Você poderia falar um pouco do livro que está escrevendo?

Maguila – Quem me incentivou a escrever um romance foi minha única e grande amiga Safira Mind. Não posso adiantar muita coisa porque o livro ainda não está pronto, mas trata-se de uma visão erótico-existencialista do Tarzan, a partir do ponto de vista da Chita. Tratar-se-á de uma obra divisora de águas na literatura psicológica universal.

Junior – Podemos voltar um pouco no tempo? Quem são seus pais? Onde você nasceu?

Maguila – Como vocês sabem, não sei quem são meus pais. Eu nasci num circo paraguaio, que fazia temporada em Campinas. Fui abandonado ou me esqueceram por aqui e eu acabei sendo adotado pelo Bosque dos Jequitibás. Por quê catzo vocês têm de tocar neste assunto?

Bruno – Porque isto é uma entrevista, Maguila. Os leitores querem saber sobre a vida do ídolo.

Maguila – Quem tem ídolo são os índios e as adolescentes bobinhas. E se me perguntarem outra vez sobre minha infância quebro este gravador.

Lucas – Você é sempre mal-humorado assim?

Maguila – Eu não sou mal-humorado. É que odeio ter de responder perguntas imbecis. Alguém me passa o fósforo?

Bruno – Serve isqueiro?

Maguila– (acendendo o cigarro) Obrigado. Desconfie das pessoas que não fumam. Essas não têm alma.

Bruno – Já dizia o Mário Quintana. Quantos maços você fuma por dia?

Maguila – No máximo dois, no mínimo um e meio.

Junior – Você tem fama de ser um grande bebedor. Quando começou a beber?

Maguila – Meu primeiro copo quem me deu foi uma velha, no tempo em que eu ainda estava no bosque. Chegava um e me dava pipoca, chegava outro e me dava pipoca. Um dia apareceu esta santa alma e me passou um copo de plástico com bebida dentro. Acho que era vermute. Durante meses a velha passou a me levar vermute escondida. Quando ela morreu, começaram as crises de abstinência.

Lucas – Porquê você acha que a velha levava vermute pra você?

Maguila – E eu lá sei? Tem gente louca pra tudo. Mas o melhor , vocês não sabem: como eu estava visivelmente dependente do álcool, precisei ser afastado do grupo e fiquei de quarentena, na enfermaria do bosque. Um dia apareceu um jornalista, ele tava fazendo uma entrevista com a doutora. Eu aproveitei a deixa para fugir. E eu lá queria ficar curado? Quando deram por mim eu já estava longe. Jornalistas são patetas.

Bruno – Maguila, não cuspa no prato em que comeu. Você foi um ás da imprensa nacional.

Maguila – Fui, você disse bem: fui. Ainda bem que me livrei desta sina maldita. A última coisa que eu queria na vida era ter de entrevistar alguém como eu.

Junior – E depois da fuga, foi para onde?

Maguila – Eu ia chegar lá. Passei dois meses sem rumo, revirando lixo, usando todo o tipo de drogas. Eu cheguei ao fundo do poço. Quem me salvou foi a Hilda Hilst.

Lucas – A escritora? Vocês se conheciam?

Maguila – Meu filho, eu morei com a Hilda por quase dez anos. Ela me encontrou na vigésima dose de rum, numa mesa do Galo de Ouro. Puxou papo comigo e descobrimos interesses etílicos em comum. Eu ainda não era um gênio, mas já tinha alma de poeta.

Bruno – Quem lhe ensinou a ler?

Maguila – Foi a própria Hilda. Se bem que o saudoso escritor J.Toledo, amigo da minha madrinha, foi de suma importância na minha formação intelectual. Varávamos madrugadas, os três, enfurnados no sótão, fumando, bebendo e nos entregando às divagações filosóficas.

Junior – O que você fazia na Casa do Sol. Não ajudava em nada?

Maguila – Lá vem vocês com essa mentalidade limitada. Então eu tinha de ser escravo da Hilda só porque ela me tirou da rua? Não, eu não fazia muita coisa mesmo. Tá certo que cuidar dos seus 90 cães não era uma tarefa muito simples, mas também não me tomava todo o tempo do mundo.

Lucas – Qual foi o seu primeiro emprego ao sair da casa de Hilda?

Maguila – Eu havia me transformado num intelectual, não podia mais ficar pulando de galho em galho, como antes. Fiz um curso de tarô por correspondência e passei a ler o futuro das clientes do cabeleireiro Wanderley Nunes. Cobrava caro e trabalhava de cinco a sete horas por semana. Foi a melhor fase de minha vida.

Bruno – Foi nessa época que escreveu seu primeiro livro, “Como Ganhar Dinheiro Dando Uma de Boiola Mesmo sendo Espada”? Fale um pouco sobre o livro.

Maguila – Na época foi um best-seller, sucesso absoluto. O lançamento foi na Hípica. A high-society compareceu em peso: Chitãozinho & Xororó, Regina Duarte, Bete Nunes, Carlão Sampaio. Só gente bonita e de bem com a vida.

Junior – E você ficou com fama de boiola? Conta pra gente: você beliscava o azulejo ou tudo não passava de intriga da oposição?

Maguila – Eu nunca andei pendurado em cipó e a única banana que descasquei foi a minha. O que falam de mim são calúnias, como dizia aquele cantor extraordinário…Aquele da barriga peluda…

Lucas – Ney Matogrosso…

Maguila – Esse. Vou contar uma coisa: meu negócio sempre foi mulher. Mas como o destino me jogou em Campinas, tive de entender o recado e ganhar um troco em cima da demanda, né?

Lucas – O que você ta querendo dizer com isso? Que Campinas é uma cidade, digamos, afetada?

Maguila – É isso mesmo. Mas não é nada pessoal. Não levem pelo outro lado.

Junior – Você ficou quase rico, mas bebeu todo o dinheiro. Como se virou nesse período?

Maguila – Eu trabalhei como repórter de campo. Cobri o time da Ponte Preta durante uns dois ou três anos. Não ganhava muito, mas me divertia à beça com a Conceição.

Bruno – Você comeu a Conceição?

Maguila – Sai fora. Isto sim seria programa de índio. Com todo respeito à torcida do Guarani, claro.

Bruno – Você torce para que time, afinal? Guarani ou Ponte Preta?

Maguila – Nenhum dos dois. Eu torço para o Pátria Futebol Clube, do meu amigo Romualdo Lagoa. Hoje o time deve estar na quinta divisão do futebol de várzea. Mas a esperança é a única que morre, nesse caso.

Bruno – Você chegou a trabalhar na imprensa escrita?

Maguila – Sim, fui repórter do Correio Popular e do Diário do Povo, na época em que eram concorrentes. Conheci os dois lados da moeda. Fiz a página policial e a página de política.

Lucas – Maguila, por quê você aceitou voltar para o Cumbuca?

Maguila – Não foi por amizade, até porque eu não vou com a cara de vocês. Eu estava precisando voltar a botar meu bloco na rua, xará. Em breve vou lançar um livro, preciso cooptar leitores, entendeu? Além disso, o cachê não é nada mal…

Bruno – Você pode revelar aos leitores qual o tamanho do teu salário ou tem medo de sequestro?

Maguila – Eu não tenho medo de nada, mas não sou macaco de sair por aí dizendo que é o dono da cocada preta. Eu não sou mercenário como o King Kong, que só trabalhava montado em muitas notas de dólar. A grana pesou na minha decisão, não vou dizer que não. Mas o mais importante é poder ter a liberdade de meter o pau nos outros. No sentido figurado, é claro.

Lucas – Diz pra gente se você já meteu a mão em cumbuca.

Maguila– Isso nunca. E olha que nem me considero velho.

Lucas – Onde você está morando atualmente?

Maguila– Não posso dizer. Passo por Campinas duas vezes por ano, para rever amigos. Mas aprendi com Safira Mind a arte da reclusão e da discrição. Um certo mistério ajuda a compor o mito.

Bruno – Você se acha foda, não é mesmo?

Maguila – Não tanto quanto vocês, mas me acho sim. Eu poderia estar trabalhando em circo. Sou um escritor.

Junior – O que você acha do governo Lula?

Maguila – Sério mesmo? Eu preferia o Macaco Tião.

Lucas – Um filme inesquecível?

Maguila – Apesar do ego do ator principal, King Kong. Sem dúvida é um clássico. Ele encarna o sonho de todo macaco: subir ao topo, em Nova Iorque…

Lucas – Mudando da água para o vinho: você ainda é dependente do álcool ou só bebe para escrever?

Maguila – Eu bebo para escrever e para dar entrevistas escrotas como esta.

Junior – E drogas? Você é a favor da legalização da maconha?

Maguila – Só depois que legalizarem o arroz e o feijão. Porque larica não é brincadeira, meu irmão.

Bruno – Para finalizar: deixe um recado para os leitores que tiveram saco de ler esta entrevista até o final.

Maguila – Meu recado é: não percam seu tempo lendo este site todo. E apaguem a luz ao sair da página.

 

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